Joseph Mitchell publicou nas páginas da revista The New Yorker o perfil de um literato maltrapilho que vivia perambulando pelo Greenwich Village, o bairro boêmio de Nova York. O personagem chamava-se Joe Gould. Em 1964, sete anos após a morte de Gould e mais de vinte anos após o perfil da The New Yorker, Joseph Mitchell escreveu para a mesma revista outro texto sobre o boêmio do Village - "O segredo de Joe Gould" -, revelando o mistério guardado por tanto tempo.
Quando o jornalista Joseph Mitchell inicia a narrativa sobre um excêntrico miserável de Nova York dos anos 40, o leitor já se depara com um texto que inspira curiosidade. O personagem em questão é um joão-ninguém, é exatamente isso que instiga também um dos repórteres mais importantes da revista The New Yorker.
Seu grande orgulho consistia no maior projeto de sua vida, ao qual chamava Uma história oral do nosso tempo. Nela, o autor relatava sobre pessoas que ia conversando aleatoriamente pela cidade, figuras que, segundo Gould, eram os verdadeiros agentes que moviam a história de um país.
Neste trecho do livro Mitchell descreve Gould:
Gould era um exemplo perfeito do tipo de excêntrico comum em Nova York, o notívago solitário, e era esse traço dele que mais me interessava - esse traço e a História Oral -, não sua boemia; eu havia entrevistado vários boêmios do Greenwich Village e os achara surpreendentemente enfadonhos.
Ele era a criança catarrenta; era o filho que sabe que desapontou o pai; era o tampinha, o nanico, o metro-e-meio, o meio-quilo; era Joe Gould, o poeta; era Joe Gould, o historiador; era Joe Gould, o selvagem dançarino Chippewa; era Joe Gould, a maior autoridade mundial na língua das gaivotas; era o proscrito; era o exemplar perfeito do notívago; era o ratinho; era o único membro do Partido Joe Gould [...]
Gould parecia um vagabundo e vivia como um vagabundo. [...] Era disparatado, arrogante, intrometido, mexeriqueiro, caçoísta, sarcástico e grosseiro.
Gould não é, de forma alguma, um vagabundo. Acredita que a diversão que proporciona vale o que consegue filar. Não bajula ninguém e não agradece. Se o afastam polidamente, dá de ombros e vai embora. No entanto, se alguém faz algum comentário do tipo ‘Fora daqui, vagabundo’, volta-se para o ofensor e, sem se importar com seu tamanho, passa-lhe uma descompostura chula numa voz esganiçada e fanhosa. E não mede as palavras.
Joe Gould é um homenzinho alegre e macilento, conhecido em todas as lanchonetes, tabernas e botecos imundos do Greenwich Village há um quarto de século. Às vezes ele se gaba de ser o último dos boêmios. ‘Os outros caíram fora’, explica. ‘Uns estão na cova, outros no hospício e alguns no ramo publicitário’.
O Segredo de Joe Gould é bem mais que uma reportagem. Não apenas pela qualidade do texto, a capacidade de escutar e a paciência do repórter Joseph Mitchell, mas também pela relação que se estabeleceu entre entrevistador e entrevistado.
Gould morreu em 1957 e o livro que vinha escrevendo, Uma história oral do nosso tempo, nunca foi encontrado - não se sabia, então, nem mesmo se chegara de fato a existir. Depois dessa reportagem histórica, o Mitchell nunca mais publicou sequer um texto. Mesmo assim, continuou a frequentar a redação diariamente e a receber salário até o fim da vida. Morreu de câncer em 1996.
Em 2000 houve uma adaptação para o cinema, dirigido por dirigido por Stanley Tucci e estrelado por Ian Holm, Hope Davis, e o próprio Stanley Tucci, sendo bem aceito pela crítica especializada.
- Rodrigo Fabretti
Nenhum comentário:
Postar um comentário